SÓ DEUS SABE
por aqui ainda se fala em caixa alta
e cantam canções dos anos oitenta.
ainda tratam o coração como rua para batuques
em pleno domingo carnavalesco e colecionam
pétalas que caem das árvores de jasmim. é tudo
pelas benditas manchas na parede que passaram
a me observar no último verão
e ainda pelos traços que formam
rostos que nunca vi. é por conta do
porta-retratos que nasce a linha tênue
entre o que partiu e o que se é (e de novo,
de novo, de novo) — essa que foi dada
pela minha coleção composta por elos
que me atingem desde o berço;
acenos de mão de esquinas,
a cara vermelha de tanto rir com ele
e para ele, o medo de errar a receita
a quem bate à porta, vontade de beijar
embaixo da chuva. talvez seja isso o amor.
por aqui ainda se fala a respeito das crises
do silêncio. permanecem as reclamações pelo
café adoçado demais. seguem crendo
que a lua sabe sorrir e o homem nunca a visitou
de verdade. tratam-se como cães
que ladram e não mordem. enxergam-me como
alguém sem nome. inventam defesas
sobre a vivência e a falta dela — entretanto, nunca
apostam sobre a intensidade da dor
que mora no centro do peito do outro.
em meio aos laços e acasos
há o presente, enfim.
ana guelere / casmurromorreu.