A Dança — Henri Matisse

SÓ DEUS SABE

ana guelere

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por aqui ainda se fala em caixa alta

e cantam canções dos anos oitenta.

ainda tratam o coração como rua para batuques

em pleno domingo carnavalesco e colecionam

pétalas que caem das árvores de jasmim. é tudo

pelas benditas manchas na parede que passaram

a me observar no último verão

e ainda pelos traços que formam

rostos que nunca vi. é por conta do

porta-retratos que nasce a linha tênue

entre o que partiu e o que se é (e de novo,

de novo, de novo) — essa que foi dada

pela minha coleção composta por elos

que me atingem desde o berço;

acenos de mão de esquinas,

a cara vermelha de tanto rir com ele

e para ele, o medo de errar a receita

a quem bate à porta, vontade de beijar

embaixo da chuva. talvez seja isso o amor.

por aqui ainda se fala a respeito das crises

do silêncio. permanecem as reclamações pelo

café adoçado demais. seguem crendo

que a lua sabe sorrir e o homem nunca a visitou

de verdade. tratam-se como cães

que ladram e não mordem. enxergam-me como

alguém sem nome. inventam defesas

sobre a vivência e a falta dela — entretanto, nunca

apostam sobre a intensidade da dor

que mora no centro do peito do outro.

em meio aos laços e acasos

há o presente, enfim.

ana guelere / casmurromorreu.

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ana guelere

crio e reviso. convivo com a poesia desde dois mil e alguma coisa. @casmurromorreu.